Guia de arquitetura para projetos desmontáveis

O conceito de Design for Disassembly (DfD) ou “projetar para desmontar”, é uma prática que vem ganhando força ao longo dos últimos anos entre arquitetos do mundo todo. Tal abordagem revela uma crescente preocupação com o excessivo consumo de recursos naturais, o desperdício e a baixa taxa de reciclagem na indústria da construção civil. O artigo a seguir pretende analizar em detalhe esta nova tendência na arquitetura, apresentando algumas diretrizes de projeto que contemplam a possibilidade de desmontagem e reciclagem de edifícios no futuro, oferecendo uma melhor compreensão desse conceito e seu impacto na prática profissional da arquitetura e na economia circular.

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O que realmente significa Design to Disassembly?

Wooden Nursery by Djuric Tardio Architectes is a nomadic project. Image © Clément Guillaume

Por definição, projetar para desmontar é uma abordagem de projeto voltada à facilitar futuras alterações e desmontagem das estruturas construídas — seja parcial ou total — proporcionando a reutilização de seus sistemas, componentes e materiais, garantindo assim que o edifício possa ser reciclado de maneira eficiente até o final de sua vida útil. Esta estratégia nasce do reconhecimento de que a grande maioria das estruturas construídas tem uma vida útil limitada, as quais operam como um estoque de recursos que, ao invés de acabarem em um aterro, podem retornar ao início do ciclo, fortalecendo a ideia de “redução, reutilização e reciclagem” na arquitetura. Assim, uma abordagem baseada em DfD considera um ciclo de vida mais duradouro para os seus materiais, prevendo e proporcionando condições para sua futura reutilização e reciclagem, minimizando o consumo de recursos naturais e a pegada de carbono incorporada.

NASA’s Sustainability Base was designed for disassembly. Image Courtesy of William McDonough + Partners

Apesar de ter sido definido pela primeira vez na década de 1990, o conceito de projetar para desmontar é ainda hoje relativamente desconhecido pela maioria dos arquitetos; portanto, até muito recentemente, poucos projetos haviam sido concebidos para serem desmontados no futuro próximo, e menos ainda são aqueles que chegaram às vias de fato. No entanto, essa abordagem está se tornando cada dia mais comum, um exemplo disso é o novo Plano da cidade de Londres, que exigirá de todos os projetos propostos no momento de sua aprovação, um detalhado estudo de reciclagem e reutilização de seus componentes. Além disso, o Banco de Materiais dos Edifícios (BAMB) da União Européia e a EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) lançaram recentemente algumas diretrizes para que os arquitetos incorporem estratégias de desmontagem em seus processos de projeto, enquanto alguns dos principais selos de certificação ambiental também consideram o planejamento a longo prazo como um critério fundamental para a avaliação da sustentabilidade de um edifício.

Oportunidades e desafios

The Circular Building by Arup was designed for disassembly and reuse. Image © Simon Kennedy

A indústria da construção civil é a maior responsável pelo consumo de matérias-primas do planeta, sendo que, uma vez manipuladas, a maioria delas jamais retornará a um circuito de economia circular. A ampla incorporação de estratégias de DfD nos processos de projeto reduziria enormemente a pegada de carbono e o consumo de energia incorporada à construção, reduzindo significativamente o consumo de recursos naturais de primeira ordem. Entretanto, nem tudo é tão simples quanto parece. A falta de regulamentação em relação aos processos de projeto e construção e a incerteza em torno a procedência destes materiais ainda representam enormes desafios para uma maior reciclagem de elementos e componentes na arquitetura. Outro desafio que não podemos desconsiderar, ainda hoje, é o custo e a lentidão do processo, pois demolir ainda é mais rápido e barato que desmontar um edifício inteiro, tijolo por tijolo. No entanto, uma pesquisa publicada pela EPA aponta que a desmontagem poderia ser mais competitiva em termos de custos se houvesse uma maior disponibilidade de materiais recicláveis e reutilizáveis — equilibrando os custos de mão-de-obra.

Princípios de projeto

The Urban Village Project by EFFEKT and Space 10 will create a closed loop where the buildings are disassembled and recycled when they no longer fit the needs of the users. Image © EFFEKT Architects for SPACE10

Acontece que, processos de projeto que englobam princípios de DfD requerem uma quantidade significativamente maior de tempo de planejamento — desde as primeiras fases de projeto — para garantir que os materiais utilizados na construção de um edifício possam ser adequadamente reutilizados ao final de sua vida útil. A seguir, enumeramos algumas das principais diretrizes a serem consideradas ao “projetar para desmontar”:

Planejando a desmontagem

Construction diagram of The Circular Building by Arup. Image © Arup Associates

Um projeto que compreende estratégias de DfD requer a um planejamento detalhado de desmontagem e reciclagem de um edifício e suas partes, incluindo instruções precisas para a desmontagem de seus elementos, assim como uma análise das possibilidades de reciclagem e reutilização. A Rotor Deconstruction, empresa belga pioneira no setor da desmontagem e reciclagem de edifícios na Europa e no mundo, trabalha com a recuperação e a comercialização de materiais reutilizados da construção civil. A Arup, por sua vez, na sua pesquisa “Economia Circular no Ambiente Construído”, publicada recentemente, prevê que as tecnologias BIM poderão nos ajudar a identificar e rastrear materiais e componentes ao longo de sua vida útil, bem como poderão fornecer dados para a regulamentação do uso e do ciclo de vida completo dos materiais, desde o projeto até a desmontagem e reutilização.

Avaliação dos materiais

Lendager Group’s Wasteland exhibition. Image © Rasmus Hjortshøj

Para que os materiais utilizados na construção civil tenham uma maior durabilidade que a mera vida útil de um edifício, é preciso investir em pesquisa e desenvolvimento de materiais menos tóxicos, de alta qualidade e com alto potencial de reciclagem. Durante o processo de projeto é importante definir critérios para a escolha destes materiais: qual é o destino final de um material quando descartado? Ele pode ser reutilizado ou devolvido ao fornecedor? Outros dados a se considerar é se existem softwares — disponíveis ou em desenvolvimento — que nos ajudem a fazer essa avaliação, fornecendo relatórios de avaliação do ciclo de vida (ACV) destes materiais.

Detalhando elementos e conexões

Details of Nest We Grow / Kengo Kuma & Associates + College of Environmental Design UC Berkele. Image © Shinkenchiku Sha

Um dos princípios básicos do design DfD é a criação de conexões e vínculos reversíveis entre os principais elementos construtivos de um edifício assim como a escolha de sistemas complementares que possam ser montados e desmontados sem a necessidade da utilização de ferramentas pesadas. Esquadrias mecânicas que possam ser parafusadas devem ser priorizadas em relação àquelas coladas ou que empregam produtos químicos não removíveis, como aglutinantes, seladoras ou soldas, o que dificultaria a separação e a reciclagem de seus componentes.

Projetando para o futuro

the aluminium facade of Østre Havn Parking House G2 by SANGBERG Architects was designed to be easily dismantled and recycled. Image © Rasmus Hjortshøj

Embora os processos de DfD se encontrem no fim da vida útil de um edifício, projetar para desmontar significa também planejar o futuro. Além disso, tal método pode ser uma excelente estratégia para melhor estendermos os ciclos dos materiais e a sua verdadeira longevidade. Considerando isso, edifícios projetados para além de seu restrito ciclo de vida, resultarão em estruturas mais flexíveis e facilmente adaptáveis — respondendo melhor as mudanças e necessidades que possam surgir no futuro. Sistemas mecânicos, hidráulicos e elétricos poderiam ser mais eficientes uma vez que a sua durabilidade é muito menor que outros sistemas e portanto, sermos conscientes disso no momento em que projetamos nossos edifícios nos ajudaria a minimizar os desperdícios com futuras obras de reforma. Projetar considerando a modularidade e a padronização dos materiais e elementos de construção também facilitam a montagem e a desmontagem de um edifício assim como a reciclagem e reutilização de seus componentes.

Rio 2016 Olympic Handball Arena by OA | Oficina de Arquitetos, Lopes Santos, Ferreira Gomes Arquitetos was deigned to reuse the modular structures in order to build four schools in the city of Rio de Janeiro. Image © Leonardo Finotti

Por enquanto, a prática de projetar para desmontagem ainda não é uma tarefa fácil, ela trás consigo uma camada adicional de responsabilidade além de exigir um esforço significativo de todas as partes envolvidas no processo de projeto e construção — principalmente por parte dos arquitetos. Menos encorajadora é a incerteza sobre se os poucos edifícios já projetados com esse propósito, e se de fato eles serão reciclados tal e qual como foram concebidos. Como uma prática ainda muito recente, seus resultados ainda não são visíveis e tampouco nos fornecem dados efetivos para uma análise completa. Ainda assim, com a crescente expansão das áreas urbanizadas no planeta e seu consequente impacto na industria da construção civil, todo esforço é valido e não devemos poupar forças quando se trata de construir um futuro melhor e mais sustentável para as nossas cidades, economizando recursos naturais e minimizando o desperdício descabido. 

Este artigo é parte do Tópico do ArchDaily: Reciclagem de Materiais. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos mensais aqui. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.

Referências

  • Brad Guy e Nicholas Ciarimboli, Design for Disassembly in the built environment: a guide to closed-loop design and building, 2005
  • The American Institute of Architects, Buildings that last: design for adaptability, deconstruction and reuse
  • Akinade, O.O., et al. Design for Deconstruction (DfD): Critical success factors for diverting end-of-life waste from landfills. Waste Management, 2016, disponível aqui.

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Sobre este autor
Cita: Cutieru, Andreea. "Guia de arquitetura para projetos desmontáveis" [A Guide to Design for Disassembly ] 19 Jul 2020. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/943616/guia-de-arquitetura-para-projetos-desmontaveis> ISSN 0719-8906

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